Tinhas uma gravata, um casaco azul escuro com um emblema da escola, uns calções, e tinhas só seis anos. Dançavas com a R. já passava da meia-noite. Eu olhava para ti e dançava também e alguém dizia que éramos iguais.
Falavas das coisas importantes, do céu, das estrelas e das laranjas com que eu tentava explicar-te a rotação dos mundos. Ficavas ao meu colo a olhar os meus olhos brilhantes que falavam com os teus olhos brilhantes, e assim consumimos uns anos, entre legos e conversas a ouvir a trovoada.
Descansa que ninguém ocupa o teu lugar, nem mesmo agora que o teu retrato está desactualizado à face do mundo e um dia ficará debotado, como as camisas que usas agora. No teu quarto está a única fotografia que importa: quando a angústia da ausência anunciada me atirou contigo pela mão para os Jerónimos, para ouvirmos juntos o Messias, como se a divindade da música prometesse sair da terra e trazer a revelação para os últimos momentos: Hallelujah!
Depois apanhei um avião (pai, posso ir contigo?).
2 comentários:
Belo texto, acredito que os lugares marcantes nunca são ocupados, pelo menos nunca o são da mesma maneira...
:)
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