Escreveu-me uma carta. Hoje as cartas têm o nome eléctrico e os amigos que as escrevem são quase sempre ocultos. Ocultos pelas letras que escrevem e pelas cortinas que são os blogs, os jornais ou a face escondida da lua.
M. escreveu-me sobre a morte do avô, sobre as tardes em que o som das cigarras ia e vinha quase em contraponto com o vento que as precedia. Quando fez 38 anos, M. visitou o avô, e viu olhos circundados de água que tinham em tempo sido fotografia, em momentos que M. não fixou não por distracção mas por total ausência de dedicação.
Nunca sabemos quando é o momento último de alguma coisa que fazemos regularmente, nem como vamos viver a seguir por termos adiado uma palavra, um abraço.
M. não conseguiu agarrar mais tempo aquela imagem do avô, que lhe escrevia postais: "gosto de pensar em ti o tempo todo, não há minuto em que não te recorde e me preocupe com o que estás a fazer, como fazes para olhar pela tua vida, em que cuidados te meteste, como estão os meninos?".
M. olhou para a terra que caia agora sobre a madeira onde puseram o avô e conseguiu ver o que não vira nos olhos húmidos daquele homem; como pudera não imaginar sequer que um homem pode viver para os outros? Que ele próprio era a vida que fez viver outro.
Sem comentários:
Enviar um comentário