24 outubro 2005

Good Morning, Mr Radio

São seis e dez na autoestrada, ao km 76 entre Faro e Tavira, há ali um vermelho escuro que começa a aparecer, mas ainda há a noite, e o sabor de luzes de groselha a pingar dos lábios. B. tem o rádio ligado para não perder o que a liga aos sentidos da euforia, do superior olhar para uma forma de vida que parece que a faz sair da rua pequena em que vive, e dos gritos da manhã enjaulada aos primeiros minutos. Da porta pequena da casa onde vive, do cheiro a respiração abafado em poucos m2, do irmão pequeno, da mãe. Dos roubos na Zara e na Parfois, para sair vistosa.

B. olha o que não quer ver, segura o volante com mais força e quer que os reflectores amarelos a façam esquecer tudo o que não quer ver.

A bella machina rola a 210 e lembra a dança dos lençois. A vida é miserável e enfeitada de gente cinzenta, mas B. olha mais além e vê qualquer coisa que a noite e o volante não deixavam ver antes, em forma de espantalho, de braços abertos e boca escancarada. Deixa-se levar mas não pode evitar que esses reflectores lhe mostrem o corpo estendido em alcatrão. O carro desliza e canta como se falasse de quem a levara a roubá-lo, desse que a deslizaria suavemente para lá da vida miserável.

Na radio Antony and the Johnstons tocam Hope There's Someone.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tive a sorte de os ver na Aula Magna. Concerto inesquecível! Espantalhos também já vi alguns ;)