As minhas histórias curtas têm personagens com iniciais. Menos ais, hoje a personagem chama-se Salomé.
Não existe como as outras, ou se existe é no outro mundo, aquele a que chamamos imaginação, ou ainda o terceiro mundo, aquele que sabemos existir, não vivemos lá e falamos em seu nome, mais não seja incluindo-nos nele.
Salomé cortou-me a cabeça, aqui há dias numa rua de Barcelona, depois de me ter olhado no mercado de la Boquera.
mas devo contar como tudo aconteceu:
Tentei fugir desse olhar que falava e entrei na Carrer del Professor Marquez, mas voltei a vê-la encostada à parede da rua muito escura (era um dia de sol de 34º em barcelona) que se seguia ao mercado, levei uma salada de frutas como defesa. Entrei num café índio e lá estava ela, agarrada à JukeBox, fumando e deslocando os berloques em círculo.
Em tempos eu não acreditava nas cidades, e fascinava-me pelo cheiro novo e pelas cores.
Agora que carrego todas as cidades do mundo limito-me burocraticamente a mostrar o BI e a tirar o cinto, a carteira, as moedas e despojar-me eventualmente da alma metálica que levo e que apita nos aeroportos.
Ela não deixou que a minha alma metálica passasse em falso por Barcelona e perseguiu-me até que a Avenida Paral-el se tornasse insustentável e me tivesse que refugiar no funicular para Montjuic.
Quando, já sem fôlego, me escondi numa das colunas do Museu de Catalunya, ela estava à minha frente e sem contemplação brandiu a única arma que me poderia cortar a cabeça: desprezo.
14 julho 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
mas fosse o desprezo uma arma, metálica como esta alma, e não carregaria ele com toda a culpa e ressentimento daquela mulher . em cada traço seu, quantos viu ? quantos golpes voltaram na dor que gera o desprezo ? do desconhecido que se persegue até à recordação do destino já vivido . o desprezo corta porque é lâmina de aço fundido na fogueira do sofrimento indizível . é a resposta . o acto desesperado de uma sobrevivente . o grito mudo, poderoso e implacável que se liberta através do olhar vindo das profundezas de um vulcão capaz de te dar o Céu e a Terra num Mar de Fogo, que alguém fez gelar . o desprezo que brilha nos olhos de uma alma ferida, como dois cristais de água sólida, já foi amor, já foi posse, já foi entrega . já foi fogo de artifício explodindo em delírio . o delírio das sensações gravadas a punhal de uma violência suplicada pela voz de uma sereia encantada transformada pelo desejo . fora o objecto do desprezo capaz de ver através dele, e mergulhar sem medo nesse olhar de morte ... e ouvir-se-ia o cantar das sereias ao largo do Paraíso, acariciando levemente um corpo de homem feliz e sem quaisquer sinais da sua alma metálica .
Sou um coração em ferida aberta, dilacerado pelo fogo vivido em tempos e gelado pelo desprezo de um olhar, perdido na imensidão dos teus lençóis, hoje lavados a lágrimas de solidão e desalento. Quem nunca sofreu um desgosto de amor? Quem nunca desejou arrancar o coração e despojar-se de tudo e de todos, na esperança de esquecer o cheiro que nos perturba e embriaga, ao ponto de nos conduzir ao abismo? Será a alma, metálica ou de seda, a arma que nos salva, ou que nos defende? Que nos permite, apesar da dor da perda, elevar o corpo à exaltação dos sentidos e à crucificação dos nossos pecados? Tivera eu a conjunção das vontades e mostrar-te-ia, o doce momento,
" ... em que o teu fogo arde todo e incendeia de luz o meu Céu, queimando esse desejo louco e enchendo de branco cada espaço da nossa perdição..."
Esta noite sonhei contigo
Tu que outrora me amaste e fizeste feliz
Mas agora és apenas uma recordação...
Uma sombra do passado
Que teima em perseguir o meu futuro...
Que não me deixa viver o meu futuro...
Por isso choro...
choro por te ter perdido...
Perdi-te...
...mas ainda te amo...
Escrever assim, sem amarras, ajuda a suportar a dor provocada pelo que pode estar agora a acontecer
com quem a gente deseja , com quem a gente ama, ou pensa que ama...
e ajuda também a reforçar o passado, e a mantê-lo intacto nessa visão de
cristal que nos dá força para continuar, procurando a felicidade que
um dia já foi nossa, e que pode sempre voltar com outro rosto, outro
olhar, outro carinho - é certo que, nada se repete, mas em cada gesto
novo, a gente sente com o passado todo... e isso torna a vida, uma
coisa cada vez mais e mais intensa...
passei apenas para te desejar um belo f-d-semana ...
beijos
good night and good luck
Enviar um comentário