31 agosto 2005

Cartas com alma e piano

Frase que devia ser dita no fim: que carta - é uma carta - tão divertida,tão brilhante - bolas, queria dizer elegante, mas tive vergonha - a que me escreveste esta madrugada; adorava ter aqui esse disco da Schneider para ouvir contigo, mas tenho o Allegresse, ça va de toute façon... ; tive uma ideia, e se interrompesses a leitura dos Sinais de Fogo, esperasses que eu fosse para Lisboa para poder reler ao mesmo tempo que tu; depois íamos lendo e relendo, angustiávamo-nos por mail, acabávamos o livro e então eu materializava os teus olhos e tu os meus; (desvirtualização, parece tirar virtude a qualquer coisa, mas é confusão gramatical).

A forma epistolar recomendava-se por:

(estilo)- Minha querida E., recebi a tua cartinha, que muito agradeço. Estou aqui, bla bla...... Recebe, de teu incognito, mas incondicional, e irreversível amigo, as minhas estimas mais profundas, etc...

(envelope) - Perfume de mulher, um poucochinho vertido no papel, ajudava-me a perceber a terra que te acolhe e esta ligação da memória sem rosto, sem corpo, mas com olfacto (1º sentido) e algum tacto preliminar (2º sentido)

(tempo) - anseia-se por uma carta: terá sido logo entregue? é fim de semana?o carteiro nunca mais chega! houve greve! a rodovia afundou, o tremdescarrilou! Meu Deus, que ansiedade, os dias passam e ela sem escrever; uma linha que fosse, um postalinho! Esqueceu-me, trocou-me! está doente, está carente, oh angústia! e as promessas? e o encontro!

(conteudo) - A minha tia toca agora piano, e eu, de gravata e colarinho alto, ouço desatentamente enquanto passo os olhos pela audiência: o tio António cabeceia, já completamente levado pelos vapores, assim como o primo Julião. A Mariazinha apalpa a perna viçosa da Manelinha ( uma tendência inexplicável na pequena, a família pensa ser uma amizade muito forte). Toca Chopin, o piano dá voltas e mais voltas, como o cabrito no estômago das gordas primas de Alverca, etc...

Bom, nesta altura estás a pensar que estou a tergiversar. É verdade. O Eça, mon dieu, ia-me esqueçendo dele; mas assim não há teclado que resista à minha vontade de te contar toda a memória dos livros; que fazer?

Calma