28 novembro 2005

Troco um desejo por um sorriso

Troco um desejo por um sorriso
Nem é preciso lucrar
Fecho os olhos, se é preciso
No dia em que te beijar

Troco um desejo por um sorriso
Por dentro do nevoeiro
Mostras-me a lua, em aviso?
Mostro-te o sol por inteiro

27 novembro 2005

Do riso e do esquecimento


G. elevou-se da cadeira da classe executiva, a meio da noite sobre o oceano, pela janela pequena rezou à lua, acabou o copo de Cliquot, viu pela ultima vez as listas da camisa da hospedeira, abandonou os auscultadores e o piano de Jarrett, atirou o diário para o chão. A sua camisa de riscas rosas alastrou um vermelho vivo de tinta permanente, a tinta permanente, a última ideia de eternidade possível.

Depois abriu a porta de segurança do avião.


24 novembro 2005

O Grande Baile na Conservatória do Registo Predial

M.A. vestiu a criança de 2 anos com a nova armadura de inverno, chamou H. e desceram para aTransit fria e com cheiro de carne entranhada, deixando os desejos em casa e levando as suas esperanças de uma nova casa, contra toda a chuva e desânimo de uma manhã de Novembro

V. tirou a senha de um golpe. Nove da manhã e mais 23 minutos, atirou o cheiro do Boss de rojo pelo balcão de madeira escura e gasta e voltou para a rua.

L. voltou ali pela terceira vez, agarrado ao kispo velho e molhado, com o cabelo branco penteado para trás, sem lavagem aparente há vários dias, sobraçando pasta escura de onde saiam imaculados e envergonhados papéis.

Duas horas depois falavam os três deste encontro improvável numa sala minuscula com 8 cadeiras, um balcão, 2 funcionários atentos e preocupados, mal vestidos e mal pagos, rodeados de dossiers caídos, prateleiras improvisadas, 30 pessoas pela rua em espera balbuciada, resmungada e resignada.

Os papéis acumulavam-se pelo balcão, as explicações mal humoradas atiradas ao ar entre o silêncio dos inocentes, de cabeça baixa, faziam os circunstantes temer o pior: esqueci-me de algum papel?

Num canto, uma caixa: "Deixe aqui Ideias e Sugestões".

F. olhou e não teve vontade de rir: pegou na agenda, rasgou uma folha e escreveu:

Gostava que pusessem uma colunas lá fora e cá dentro para se poder dançar enquanto esperamos pela certidão

23 novembro 2005

22 novembro 2005

Livro de um voo por entre prédios e folhas de música


T. recorda como as folhas do caderno voaram naquele dia de Novembro, um dia sem poesia, sem alegria nem chuva. Acabara de tocar guitarra na imensidão daquela marquise, onde repousavam lençóis da mãe.

O cabelo estava preso por ganchos negros, daqueles frisados no metal para prender melhor os capilares, havia uma mancha de sol no pescoço livre de enfeites, muito branco, onde duas pequenas manchas secas lembravam o sonho da manhã aflita, da manhã em que era preciso acordar cedo para a audiência, da noite em que o suor a despertara pelas cinco, com um olhar rápido para a frincha da persiana onde esperava ver luz.

Não havia luz, só ruidos de uma árvore que invadia a varanda com ramos longos e folhas animadas, e T. acomodou um pouco a cabeça nas grandes almofadas, gesto que repetiu de um lado para o outro da cama, irrequieta e desfeita em ansiedade. De um lado da cama apareceram dois seres pequenos que a convidaram a tocar um pouco da sua guitarra, sorrindo e parecendo convidar a um ensaio: somos a tua audiência, a antecipação do teu momento mais difícil, vem.

T. voou pela janela, agarrada às mãos daqueles pequenos seres, mostrou-lhes num voo largo o anel de fogo que envolvia as casas, sorriu ao ouvir os gatos, olharam juntos as montanhas azuladas e os campos roxos, sorriu pensando que em qualquer momento regressaria à cama e terminaria a viagem impossível. Voou ainda com o caderno e poisou-o numa pedra colorida, ouvindo um som agudo que lhe pareceu um virar de página.

Quando acordou e finalmente viu a pequena mancha de luz na persiana, suspirou aliviada, como aqueles que se libertam de um pesadelo. Procurou no caderno, onde apontara a composição para a temida audiência.

Reparou então que as folhas estavam rasgadas, nenhuma réstea da sua escrita, apenas duas manchas roxas na capa do caderno que lhe pareceram dois pequenos seres impressos.

17 novembro 2005

Volvo Ocean Race 2005-2006


Saida de Vigo (Nov.05) e chegada a Gotemburg (Jun.06)

Equipas e classificação actual (*):

Leg 01 : Vigo - CapeTown

ABN AMRO ONE (1)
Brasil 1 (2)
ABN AMRO TWO (3)
Ericsson Racing Team (4)
Sunergy and Friends (5)
movistar (6)
Pirates of the Caribbean (6)


The winner of the Volvo Ocean Race will be the boat with the most points accrued when the finish gun goes in Gothenburg on 17 June 2006 !

(*) Ao fim do dia de hoje, 17 Nov

(6) e (6) estão em reparações em Portimão e Cascais, após as 48h violentas do início da regata

15 novembro 2005

O Crepúsculo dos Deuses

LF estava sentada há algum tempo na esplanada da Vela Latina, com a boina comprada na Bershka, ajeitava-a com a mão direita enquanto a esquerda segurava o bloco de notas (oferecido por C.), e ainda não acreditava no que acabara de ouvir: o Candidato de óculos brancos e camisola de gola subida acabara de lhe confessar a desistência da corrida ao putativo lugar de Belém. LF secretamente admirava FT, o seu olhar ao mesmo tempo altivo e assertivo, os olhos quasi-grandes atrás do óculo obrigatório, as mãos magras e os gestos que afirmavam a independência e a "luta" sem mais.
"Mas há 2 meses assegurou-me, digo, assegurou ao país que nunca desistiria! O que o fez mudar de ideias?!"
"As sondagens não me dizem nada. Sabe, LF, a política real faz-se todos os dias, o real olha para nós de manhã e é a gasolina que nos faz agir! O dia nasce e estamos ou não preparados para ele? Diga-me."

LF não respondeu, o gesto de passar o dedo pelo lábio debotou o baton Fetiche levemente no queixo, fechou o bloco de notas que segurava com a mão esquerda e levantou-se, deixando um rasto de eau de toilette CK pela mesa. Telefonou para o jornal:

"SF, toma nota para o editorial: FT desiste pressionado pelo interesse da esquerda, afirmando o seu apoio a um candidato", cito: "melhor posicionado para a derrotar"

Pirates on their way in Leg 01 of the Ocean Volvo Race 2005-2006

11 novembro 2005

Spectrum


Spectrum

Olho para M. e retiro o olhar que poiso em V.
V. inunda o quarto com o olhar que reluz em mim
Onde houvera risos e champagne em copos baços
(gelados)
Há agora este silêncio de aves repousadas na noite
(Com olhos abertos)
A capa de livro aberto enrodilhada na face de V.
Releva as letras góticas,
E está imiscuida com pestanas de V, cujos olhos
(abertos)
Continuam a irradiar a mesma luz com que
(relutante)
Amou M.
O vidro em pedaços polvilha a face e o seio de M.
De um copo antigo de família, agora desprezado
(pulverizado)
A minha mão corre pelo corpo de M e acaricio V.
(com os lábios roxos)
Como se fosse possível continuarmos os três
(mais que doze minutos)

Que fazem aqui este corpos gelados?

10 novembro 2005

Encontro fantástico na Vauxhall Bridge onde Mr William Byrd me aconselhou a temperar a lagosta com açafrão, bem como a audição das Cantiones Sacrae

Espaço infantil : Toca e Foge

Eu sou o Cristian.
Tenho 7 anos.Ando no 1º ano.
Vivo na Aldeia da Mata.Na escola gosto de ler e fazer contas.
No intervalo gosto de brincar e de jogar ao jogo do toca-e-foge, da macaca e da cabra-cega.
O meu clube é o Benfica

Eu sou o Lino.
Tenho 8 anos.
Ando no 2º ano.
Vivo na Aldeia da Mata.
Gosto de brincar ao toca-e-foge.
Eu sou do Sporting.

09 novembro 2005

I can´t get started

I'm a glum one
It's explainable
I met someone
Unattainable
Life's a bore
The world is my oyster no more
All the papers
Where I lead the news
With my capers
Now will spread the news
Superman
Turns out to be flash-in-the-pan


I've been around the world in a plane
Designed the latest IBM brain
But lately
I'm so downhearted
'Cause I can't get started with you


I've been around the world in a plane
I've settled revolutions in Spain
The North Pole I have charted
But man I can't get started with you
And at the golf course I'm under par
Metro-Goldwyn wants me to star
I've got a house and a show place
But can't get no place with you

(Jamie Cullum, Rod Stewart, Frank Sinatra...)

06 novembro 2005

a capella

Se quisesse podia levar-me num cruzeiro à volta do mundo, podia ler os meus lábios e oferecer-me um chocolate pequeno embrulhado em papel violeta.

Se quisesse podia escrever uma carta contando-me uma história arrancada do fundo dos oceanos, contando-me como os dias do mar correm em sorriso, elevando-se em ondas desesperadas em ver tudo o que as almas de um marinheiro destilam em choro salgado, ali, onde ele olha para a camisola suja, passando as mãos uma e outra vez, sem nada.

A não ser uma camisola que alguém tocou um dia, que ele desejaria não tirar nunca até que as suas mãos, agora vazias, pudessem enfim tocar quem as tocou um dia, quem está para lá do horizonte altivo e seco, com dedos longos.

E, tocando quem lhe tocou a alma, pudesse dançar, para além do mar, numa praia onde a bruma e as gotas de água os envolvessem para sempre.

(Dancing on the beach, quadro de Edvard Munch, 1863-1944 )

Afinal, eu também escrevo poemas, se ...

Se me doer alguma coisa
Se puser em relevo o sentimento do dia
Se acaso me doeu o espelho
Se a véspera de natal me assaltar
Se olhar uma fotografia de há um mês
Ou do século passado

Eu também escrevo,
pondo em relevo
Também versejo
como gracejo

Também me odeio,
se me pavoneio
Também me engano,
como este ano

O ano passado,
que não passou
Enrolou,
estendeu para o ano

Não era preciso ser diferente,
nem coerente
Apenas reluzente,
quando não ardente

E assim indiferente
teclo improvisos
Para serem os meus avisos



(foto: Rilke escrevendo no Hôtel Biron, Paris)

04 novembro 2005

What's going on?


Mother, mother
There's too many of you crying
Oh, brother, brother, brother
There's far too many of you dying
That's right
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today

Oh my father, father
We don't need to escalate
You see war is not the answer
For only love can conquer hate
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today
Barricades, can't block our way
Don't punish me with brutality

Talk to me
So you can see
Oh what's going on
What's going on


(Marvin Gaye)

03 novembro 2005

Lua pescada no fundo do Mar (I)

Mesmo que o navio avance mais algumas milhas F. já notou a proximidade dos pontos da carta náutica da misteriosa onda de sonar que enche o radar.

Levantara-se nesse domingo com a boca a saber muito mal, e recordou-se do Dr. JS que o abordara no Bairro Alto na noite anterior, e se apresentara como apoiante de Silva presidenciável, assessor de gravata rosa, de madrugada. JS apresentara-se perante um prato de carapaus de escabeche e copo de favaios, uma agenda preta pequena e de bom gosto com um lápis com o qual apontava sinais estranhos que tanto podiam ser graus de escrita como invenções de bêbado atormentado.

F. escutara divertido a verve do Dr. que passou da gabarolice de apoiante para a de revelador duma missão soberba, reservada a eleitos: descobrir porque razão um astro caíra, ao abrigo da noite, na baía de Cascais.

Como pistas o Dr. JS dissera possuir apenas a da filosofia intuitiva, a boçal figura do amor celestial e outras lúgubres expectativas que alcançava pela redenção da morte pelo amor.

F. leu as coordenadas escritas no guardanapo de papel com nódoas róseas e anotou-as.

01 novembro 2005

Podemos agora saber o que são, isso dos sonhos reais?

Saiu da casa alugada para uns dias, passou devagar pelo pórtico onde se escondiam atrás pedras frias de um lugar anónimo para ele.

Lembrou a hipocrisia do dia obrigatório e depois parou o carro na berma. Onde estão esses seres da tua memória que já não vivem a não ser dispersos entre lembranças de que te julgas o único? Onde estão os lugares onde os corpos perdidos na tua memória repousam, sem que alguma vez te tenhas procupado em homenagear um só que seja?

Diz agora o que sabes dessa noite que recordas agora, onde a tua mãe te visitou e perguntou como estavam todos os nossos, e te agarraste ao sonho e lhe pediste que não fosse, que te prendesse a ela outra vez, que te embalasse e te dissesse e te contasse o que te esperava, que te dissesse que o inesperado é a única coisa que te faz sólido e sentir que és capaz de tudo, ou te faz diminuir perante a memória canalha que às vezes te faz sentar na cama a meio da noite sem saber nada, e te faz atirar a almofada para o chão, envergonhada de lágrimas