27 março 2006

Luger Parabellum

A minha mãe sentava-se à mesa antes de qualquer de nós. A minhã irmã dizia que a antecipação do ritual era o que mais lhe agradava. Eu estava até ao ultimo minuto agarrado ao gravador apanhando as últimas notas da soul da Discoteca da manhã de sábado, apanhando as tiradas de Shalamar e de Kid Creole, que me faziam de novo sonhar com a Mariana e o seu cabelo pelas costas que agitava na roda da saia. A night to remember.

Servia-se o bacalhau com natas, um pouco de Dão Terras Altas a acompanhar, a sala tinha uma mesa de madeira com pés que rematavam em espiral de mogno. Ao fundo da sala uma vitrina com armas de caça, ao canto uma Luger desasada do espírito da caça, invocando outras noites longas. Antes da primeira garfada a minha mãe levantava-se e colocava a Tosca no gira-discos, para que não houvesse a mais pequena hipótese de algum de nós dizer algo sobre a comida, a noite anterior, a noite seguinte ou mesmo os anos que nos separavam do tempo em que se ria naquela sala.

Não sei porque me lembro agora da mesa, nem porque razão aquilo que eu não via nesses dias é agora tão claro.

Talvez porque a sala é agora agitada por fantasmas de gente que já lá não habita ou não habita em lado nenhum, ou mesmo porque havia um disparo que soara havia já 5 anos mas que não havia maneira de sair daquela mesa.

2 comentários:

jp(JoanaPestana) disse...

A mãe no silencio só ouvia o som do disparo
A musica afugenta os espiritos...

Carlos Azevedo disse...

As casas têm espíritos, agora tenho a certeza