07 julho 2006

jogo com lágrimas


Ao ritmo do voo do flamingo, J. deixou a praia com chapéus de sol, deixou que a côr dos seus cabelos se insinuasse com a areia infiltrada de granito, voltou as costas ao mar.

L. deixou a cidade num carro pequeno que comprara, finalmente o seu carro, em direcção ao vento que empurra para sul no verão. Tinha pena de si própria, do que deixara acontecer , do que não pudera evitar, de como a destruição do equilibrio a partira em pedaços que agora circulavam sem nexo entre vias públicas.

I. abandonou a vida fácil de um apartamento no centro da vila e migrou como ave satisfeita para junto do ninho, colhidos os fragmentos necessários .

G. está agora a atirar seixos despreocupadamente para um ribeiro, perdido entre o Alentejo e o Algarve, muitos km longe do mar, que pensa ser onde J. está, embora por vezes lhe apareça I. na mente que supunha abandonada ao simples gesto de atirar seixos ao acaso. Espera por L, mas não sabe que L. não virá nunca na sua direcção.

Nenhum dos personagens sabe nada sobre o momento exacto em que, ao fazer um gesto, que gesto farão todos os outros.

Jogam um jogo que não sabem, julgando apenas que a sua (in)felicidade é única.

5 comentários:

Anónimo disse...

É curiosa a forma como se deslocam as personagens nesse mapa .

O que será que fariam, se de repente o tempo parásse e todas as estradas se abrissem para juntar duas delas ?

Dois corpos ardentes ao vento...

Que gestos presentes, passados ou futuros, o poderiam impedir nessa hora ?

E que Poder teria a magia desse encontro ?

E quantas vezes seria, ainda possível, fazer o tempo parar ?

Carlos Azevedo disse...

não há corpos ardentes, há acasos infelizes. Os que ardem, ardem na estrada

Anónimo disse...

Lágrimas, lágrimas e mais lágrimas, assim se fez o mar, aos pés dos amantes separados imaginando todos os perigos, desconfiando de todos os sentidos, acusando-se de todos os pecados .

O que seria o mar, se todos os amantes morressem abraçados, antes de se separar ?

Um deserto imenso, certamente !

jp(JoanaPestana) disse...

:-)

Anónimo disse...

imagine se pudessem ver os gestos dos outros.
que caos. talvez o fim da felicidade.