MF saiu do Toyota Lexus preto, com jantes de 17 polegadas, e fechou a porta devagar. Levava óculos escuros Armani, alongados para a face ser contrastada e parecer mais triangular, que tirou mantendo-os presos entre os dedos e os dentes, entre o casualmente e o quase casualmente. Atravessou os poucos metros que era preciso para chegar ao Bar Onix, 17.10h da tarde no Principe Real. Lá dentro numa mesa perto do balcão estava NL, sorrindo ao de leve com ar um pouco preocupado, afastando a madeixa do cabelo grisalho da testa.
Meia-hora depois estavam despachados, o sorriso de NL mais aberto e a barbicha de MF mais arrebitada: as previsões do INE sobre o crescimento da economia portuguesa estavam por horas e estavam de acordo: não era possível falhar, era negativo e coisa para 1%. Ou mais ! - disse ainda ML ao desabotoar o colarinho da gravata, já ao volante do Lexus e acenando a NL, que o contemplava no passeio com ar superior, de perna afastada e barriga desleixada, com a madeixa outra vez ao estilo Françoise Hardy.
Dois dias depois, NL colocou a sua gravata azul escura comprada no Prada de Milão sobre uma camisa rosa de quadrados finos, Façonnable, da loja do Colombo. Seguiu de táxi para a Av. D. Carlos e mandou parar em frente ao café República. MF já estava no passeio, com a barbicha ao lado, e com borbulhas a despontar, inoportunas, como sempre que via NL ou saía com alguma funcionária da Buenos Aires.
E agora? - nem deixou NL falar. A interrogação acintosa significava que afinal o crescimento era 0,5% positivo, e queria ver o que ia dizer NL, que quase o forçara a escrever aquele artigo no JN, cheio de números e gráficos que previam tudo o que dava jeito prever, e que afinal...
Deixe-me em paz, retorquiu NL, sabe bem o que tem a fazer: escreve outro artigo dizendo porque razão o que era mau se fosse negativo ainda é pior sendo positivo. Você tem jeito para isso, afinal não foi secretário de estado?
Ciao, deixe-me ir beber em paz o meu Bacardi lemon.