03 outubro 2005

A cor dos correios é vermelha

F. deixou a carteira em cima da mesa do telefone dos correios, e ligou para Newark. Enquanto falava com B. pensava na rua onde B. vivia, com uma árvore grande onde repousava á sombra um marco de correio onde sabia que iria parar a carta de onde vinha agora toda a sua fé, de onde vinha agora toda a emoção de duas horas de uma madrugada sofrida, rasgada à custa de uma dor de ser distante.
F. pensava em B. enquanto falava com B., e onde iria para a sua vida, naquelas paragens de língua arrepanhada. F. estava dispensado do escritório da rua nova do almada, daquele escritório sombrio com alcatifa cinzenta gasta de cigarros, daquele advogado velho e sebento, daquela gente desesperada que consultava o velho, mesmo ali em frente ao tribunal, levadas pelo funcionário judicial, à sucapa.
F. pensava e via agora os cabelos de B. pretos com umas manchas amarelas, trazia a foto na carteira. Estava decidido, iria.
Sorriu quando desligou o telefone e olhou o indivíduo de cabelo curto, camisa vermelha escura e senha de espera, com postal na mão e olhar ausente. Pagou e deixou a estação de correios devagar, bebeu um café na tabacaria do lado, cruzou a gare do oriente e atravessou a rua em direcção à loja de telemóveis.

Na entrada, enquanto a porta rolante se preparava para o engolir, parou de repente: a carteira! Voltou atrás a correr, com o coração mais pequeno e aflito, sem tempo de ver um carro preto conduzido pelo homem de camisa vermelha escura, que sorria com uns lábios muito vermelhos e lhe parecia querer dizer qualquer coisa. Não teve poder sobre o tempo e a camisa encheu-se de um suspiro, a imagem de B. outra vez, agora muito vermelha, ainda viu confuso muita gente à volta.

Naqueles segundos lembrou a madrugada de ontem que traçara uma linha que afinal não o levaria a Newark.

4 comentários:

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

arrepio. :)

Carlos Azevedo disse...

isto está um pouco ...noir ?

Carlos Azevedo disse...

paga o café com moedas que tinha no bolso

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

pois, tb pensei nisso, como podia ter esquecido a carteira... mas acho que essa solução está boa, e é tipicamente masculina ;)