A habitação e os financeiros
Há 3 horas




After one whole quart of brandy
M.A. vestiu a criança de 2 anos com a nova armadura de inverno, chamou H. e desceram para aTransit fria e com cheiro de carne entranhada, deixando os desejos em casa e levando as suas esperanças de uma nova casa, contra toda a chuva e desânimo de uma manhã de Novembro

LF estava sentada há algum tempo na esplanada da Vela Latina, com a boina comprada na Bershka, ajeitava-a com a mão direita enquanto a esquerda segurava o bloco de notas (oferecido por C.), e ainda não acreditava no que acabara de ouvir: o Candidato de óculos brancos e camisola de gola subida acabara de lhe confessar a desistência da corrida ao putativo lugar de Belém. LF secretamente admirava FT, o seu olhar ao mesmo tempo altivo e assertivo, os olhos quasi-grandes atrás do óculo obrigatório, as mãos magras e os gestos que afirmavam a independência e a "luta" sem mais.
Eu sou o Cristian.
I'm a glum one
Se quisesse podia levar-me num cruzeiro à volta do mundo, podia ler os meus lábios e oferecer-me um chocolate pequeno embrulhado em papel violeta.
Se me doer alguma coisa
Mesmo que o navio avance mais algumas milhas F. já notou a proximidade dos pontos da carta náutica da misteriosa onda de sonar que enche o radar.
Saiu da casa alugada para uns dias, passou devagar pelo pórtico onde se escondiam atrás pedras frias de um lugar anónimo para ele.
A caminho de uma praia em frente a Maputo, 2 horas de barco a motor, lancha rápida com coletes coloridos fazendo lembrar montanhas russas, ou barcos de aluguer em Chicago mesmo em frente ao Drake Hotel onde a Princesa Diana dormiu com Al-Fayed.
São seis e dez na autoestrada, ao km 76 entre Faro e Tavira, há ali um vermelho escuro que começa a aparecer, mas ainda há a noite, e o sabor de luzes de groselha a pingar dos lábios. B. tem o rádio ligado para não perder o que a liga aos sentidos da euforia, do superior olhar para uma forma de vida que parece que a faz sair da rua pequena em que vive, e dos gritos da manhã enjaulada aos primeiros minutos. Da porta pequena da casa onde vive, do cheiro a respiração abafado em poucos m2, do irmão pequeno, da mãe. Dos roubos na Zara e na Parfois, para sair vistosa.
Muita da luz que vem da janela está na minha memória. Mesmo que as horas sejam as horas pequenas da madrugada, não consigo querer dormir, mesmo que as cidades e as luzes que passaram a correr como numa série de fotografias aceleradas, em tantas cidades do mundo, teimem em querer adormecer. Não na minha memória reconstruida todos os dias em Lisboa.

CM empurrou o carro azul um pouco mais e a construçao desfez-se em pó; lembrou-se, enquanto a nuvem de pó se erguia e tapava a visão da mãe preocupada, da corrida de automóveis que perdera, de como os carros apareciam de repente na curva, de como rugiam os motores, os motores Transformados em máquinas assustadoras, como tinha agora de se esconder no jardim ou debaixo da mesa em pistas de tapete persa.
Un pensiero nemico di pace
So you give to me and I give to you... true love
F. deixou a carteira em cima da mesa do telefone dos correios, e ligou para Newark. Enquanto falava com B. pensava na rua onde B. vivia, com uma árvore grande onde repousava á sombra um marco de correio onde sabia que iria parar a carta de onde vinha agora toda a sua fé, de onde vinha agora toda a emoção de duas horas de uma madrugada sofrida, rasgada à custa de uma dor de ser distante.