04 fevereiro 2009

O encanto, para onde foi o encanto?



M. lançou-se de novo pela Av Brasília, com o seu Berlingo branco com as listas da Almond Inc, a caminho do terminal de comboios, para as entregas habituais. Escolhia sempre o caminho interior junto ao Tejo, e carregava no acelerador, para parar como sempre 10 m junto ao Padrão dos Descobrimentos, tomar um café, inspirar o ar húmido do rio, olhar a outra margem, os aviões sobre a Ponte, espreitar o movimento de alguma vela.

Como era bom parar uns momentos na rotina diária apressada, gozar o tempo, olhar tudo e sorrir. O prazer que se assemelhava aos raros momentos em que passava em casa a meio do dia e o silêncio da casa só era cortado pelo tic tac leve do relógio de parede da cozinha.

Mas nesse dia, ao regressar ao armazem, reparou na concentração de colegas, na agitação dos corpos e nas expressões preocupadas: a Almond Inc. declarava falência e ele estava na rua.


Duas semanas passaram e M. apanhou o autocarro para Belém, ia pelo menos poder estar mais tempo no seu sítio favorito.

Apeou-se, olhou em volta e sem perceber porquê reparou nos musicos pobres que montavam o cenário para o espectáculo de rua, reparou nos arrumadores de olhar triste, nos caixotes de lixo abandonados, nas caixas de cartão e papéis que voavam.

Reparou nos velhos que se arrastavam junto ao paredão do rio, nos jovens que circulavam sem nexo.

Não chegou a estar ali mais de 10m, voltou cabisbaixo.

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